Robson Cavalcanti
Teólogo e Leigo Católico
Na comunidade de fé, sempre há questionamentos e até discussões sobre determinadas maneiras de compreender e interpretar as práticas religiosas. Isso tem a ver com a compreensão e assimilação da eclesiologia que se vive, ou seja, tem a ver com a maneira de compreender o que é Igreja, seus ritos, símbolos, liturgia, etc.
Na Igreja Católica Apostólica Romana em especial, é muito presente este tipo de questionamento, pois há várias estruturas eclesiais, que de modo geral podemos considerar a comunidade paroquial, compreendida até recentemente como “Igreja Matriz”, as capelas e as CEBs.
O problema normalmente se instala quando temos uma cabeça ligada a um tipo de modelo de igreja e se vive em outro modelo. É sobre isso que quero discorrer um pouco agora.
São muitas as pessoas que mantém uma mentalidade de estrutura de Igreja aos moldes paroquiais, mas que vivem inseridas em CEBs ou capelas. É fácil perceber quando isso acontece, pois há intenção por parte destas pessoas em reproduzir as práticas das paróquias.
A que se pode atribuir tal incompreensão?
Entendo como um fator primário a falta de formação que poderia levar todos os fiéis a entender o caminhar da Igreja ao longo dos anos. Muitos fiéis não sabem sobre o Concílio Ecumênico Vaticano II, as mudanças que ele proporcionou na Igreja e as que não foram totalmente implementadas. As CEBs, por exemplo, nascem neste contexto, a partir da Conferência de Medellín (que muitos também não sabem o que são as Conferências Episcopais Latino Americana), reconhecidas como um novo jeito de ser Igreja. Isso quer dizer que tanto o “molde paróquia” quando o “molde CEBs” é valido para a Igreja Universal. Contudo, esses dois modelos não foram bem trabalhados pela Igreja ao ponto em que o modelo CEBs foi visto como algo inferior, de “segunda categoria.” Somado a isso, as CEBs foram vistas pelos mais conservadores ligados ao governo ditatorial vigente, como núcleos comunistas, pois tinham um forte compromisso social denunciando a opressão, a quebra dos direitos humanos universais e protegendo os perseguidos pelo regime.
Posteriormente, a Igreja Universal adotou um projeto pastoral voltado para a centralização das Paróquias que favoreceu o abandono das CEBs, seu projeto de Igreja ficou inerte, pois não se trabalhava mais as questões sociais, nem os círculos bíblicos, a leitura popular da bíblia, as celebrações presididas por leigos e leigas, não recebia mais incentivo e assessoria. Os leigos e leigas não recebiam nenhum apoio, orientação pastoral para tocar em frente este modelo novo de ser igreja, e o clero não se fazia presente durante meses. Isso, de fato não se pode generalizar, pois havia e ainda há padres e bispos que assimilaram a pastoral do Concílio. Mas infelizmente não foi o caso na realidade da comunidade local que participo. Hoje temos duas eclesiologias, duas visões de igreja que em parte se combinam e em parte se opõe.
O Padre celebra missa quase todos os domingos, diminindo o protagonismo dos leigos dentro da Comunidade, além da falta de estimulo e orientação para a leitura popular da Bíblia, descaracterizando o modelo CEBs. Por outro lado, falta ao leigos e leigas, compromisso com sua vocação específica que é atuar da porta pra fora da Igreja, levando o evangelho e o jeito de viver com Cristo as pessoas e também atuar em movimentos sociais em prol da vida e dos direitos humanos.
No entanto o prédio onde a comunidade se reune não se caracteriza por um templo constituído, pois não há altar, sacristia, sacrário, não há salas de catequese, salão de festas. É um espaço necessário e eficaz e no meu ver até ideal para exercer o modelo CEBs de ser Igreja.
Mas as lideranças são divididas entre estas duas eclesiologias. Um grupo hoje defende o modelo de capela, mais aos moldes da sede paroquial, enquanto outro continua defendendo o princípio, o modelo primeiro pelo qual deriva a razão de existir desta comunidade, ser CEBs.
Aqueles que acreditam nas CEBs esperam que ocorram mudanças nos próximos meses, pois é visto que a Igreja do Brasil se esforça atualmente para a renovação das paróquias.
Desde 2007 em Aparecida a ultima conferência dos Bispos da América Latina enfatizaram que a Paróquia necessita ser uma “comunidade de comunidades”. O Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo, escreveu sua primeira carta pastoral intitulada “Paróquia torna-te quem tu és!” enfatizando que essa renovação das paróquias precisa acontecer na cidade de São Paulo. Agora acaba de terminar no dia 19 de Abril a 51º Assembléia dos Bispos do Brasil cujo tema principal foi “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia.”
Pelas palavras de alguns Bispos, sobretudo a de Severino Clasen, presidente para comissão para o laicato da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), é possível compreender que de fato foi a Igreja do Brasil entendeu que a centralização da paróquia foi um projeto, um caminho que custou a diminuição do número de católicos em todo o Brasil, com a evasão dos seus fiéis para outras denominações, sobretudo a Assembléia de Deus, que ocupou o vazio deixado pela Igreja Católica na periferia, devido ao negligenciamento e abandono das CEBs.
O que é preocupante nesta comunidade que participo é a inércia, apatia ao bairro e falta de organização e planejamento presente no cotidiano. A comunidade se voltou para dentro, deixando de lado sua vocação de santificar o mundo com seu testemunho no cotidiano fora das atividades da Igreja e nas ações de cunho social. A vizinhança católica que participa é minoria, pois alguns outros católicos já tiveram problemas pessoais com os líderes comunitários e outros preferem o modelo paroquial. A comunidade por sua vez não tem um projeto de evangelização e nem um método de trabalho eficaz. Somado a isso falta aos fiéis formação integral na fé que contemple as dimensões da afetividade, espiritualidade e formação bíblica teológica, possibilitando que a comunidade opte definitivamente por um modelo e possa seguí-lo fielmente. Por fim, é importante ressaltar que as tarefas intra-eclesiais como a liturgia a catequese e a limpeza do ambiente sobrecarregam as lideranças leigas.
Hoje o clima é de esperança, confiança e perseverança em Deus, pois está se abrindo um novo horizonte àqueles fiéis leigos e leigas que ainda acreditam nas CEBs, mediante as metas da Igreja. Quanto aos adeptos ao modelo de capela e paróquia, não é possível saber como vão reagir a tais encaminhamentos da Igreja com vistas a renovação paroquial. Por enquanto continuam ocupados com as ações intra-eclesiais enquanto outros “assistem a missa” no dia que o Padre vem, pois quando é dia de “celebração da palavra” presidida por seminaristas, a comunidade fica vazia, pois ainda não foram atingidos pelo Concílio Vaticano II que dá valor e dignidade aos fiéis Leigos, ou seja, mantem-se o cultivo da “padreolatria” de sempre.