Empreender e Teologar

"A convergência de dois olhares específicos em prol do bem comum"

Vocação Pastoral dos Leigos e Leigas

Deixe um comentário

Robson Cavalcanti

Teólogo e Leigo Católico

Neste 4ª Domingo do tempo comum, deste mês dedicado as vocações, Igreja celebra a vocação para os ministérios e serviços na comunidade, com uma principal atenção aos leigos e leigas.

O termo Leigo: do negativo ao positivo.

O Termo leigo sugere muitas questões, pois é facilmente associado ao termo laico que significa não clérigo, laical, laico. Mesmo o dicionário Aurélio versão digital, explica no seu segundo ponto que leigo é aquele “que pertence ao povo cristão como tal e não à hierarquia eclesiástica” e no terceiro ponto leigo é aquele “que é estranho ou alheio a um assunto; desconhecedor. É sabido que na idade média, leigo era de fato o ignorante, o que não sabe de nada, o que não sabe o latim, que era língua oficial religiosa católica. Porém no século XXI temos pessoas altamente qualificadas em diversos seguimentos do campo do trabalho, que nos impede de aceitar esse termo com tanta facilidade.

A chave de interpretação para nós Cristãos é a chave de leitura do termo na perspectiva teológica, ou seja, no ambiente eclesial, da igreja, ele adquire novo sentido após o Vaticano II.

Ao buscar o significado do termo recorrendo às contribuições contidas no Dicionário Crítico de Teologia.[1], encontramos a concepção de dois campos semânticos. Um se refere à concepção moderna, na qual leigo é aquele que é independente de confissões religiosas, referente ao estado, manifestando toda a ausência de referências religiosas no sistema político e educacional. O outro campo semântico está ligado à “estruturação da igreja como sociedade religiosa, referente às pessoas ligadas a atividades comuns dos que são batizados, ao contrário dos clérigos, que além de serem batizados, recebem o sacramento da ordem e orientações para atos de governo, ensino e presidência dos cultos”.[2] É sobre este segundo campo semântico que queremos e precisamos dar atenção.

A palavra Leigo, significa, portanto, aquele que pertence ao povo ou provem do povo. É adjetivo da palavra Laos que quer dizer povo.

“Leigos, portanto, significa aquele que pertence ao povo de Deus, guardador e herdeiro da aliança, povo santo. Quer dizer Igreja em seu sentido primeiro e, por conseguinte, é uma palavra que tanto na linguagem judaica como depois na linguagem cristã, designa propriamente para povo consagrado por oposição aos povos profanos.”[3]

Na mesma linha, no Novo testamento é apresentada uma comunidade, um povo definido por sua relação com Deus ou com Cristo: (Igreja de Deus), ekkles°a tou Cristou (Igreja de Cristo), (povo de Deus), swma Cristou (corpo de Cristo)”. “Aqueles que não eram povo agora são povo de Deus”(1Pd. 2.10), com as qualidades do povo do Antigo Testamento, de “povo sagrado, reino sacerdotal”(Ex 19.6), povo que Deus escolheu e formou para que proclamassem louvores para si.”(Is 43.20-21).[4] Se há diferenças entre sacerdotes e leigos, entre os clérigos e o laicato, estas não se encontram na Igreja do Novo Testamento. A distinção neste período se dá entre um povo consagrado a Deus e um povo ainda no mundo. Um povo alienado pelo pecado e um povo santo que não é do mundo, mas está no mundo, ou seja, um povo eleito, colocado à parte, chamado e consagrado para uma verdadeira atuação profética de testemunhar Cristo Jesus. Este povo é dotado de dons espirituais, carismas dados gratuitamente pelo Espírito Santo Deus em benefício do bem comum. (1Co 12.7). A partir destes carismas, brotam os ministérios (diakon°ai) que são a forma prática de viver estes carismas na perspectiva do serviço, distribuídos conforme Deus quer através do Espírito Santo (1Co 12.11). Também é preciso considerar o fato de que os ministérios são distribuídos em vista do bem comum e não como uma distinção hierárquica.

Podemos encontrar no Novo Testamento várias pessoas que hoje poderíamos ousar chamá-los de Leigos como é o caso da Mãe de João Marcos que cedeu sua habitação para acolher Pedro depois que o Senhor o tirou da prisão (At 12.12-17), Lídia, (At 16.12-15), Áquila e Prisca que desempenharam o ministério de didáscalos (mestres, doutrores), considerados os responsáveis por essa tradição leiga na Igreja Posterior,[5] além de serem amigáveis hospitaleiros (At 18.2-3) e generosos cooperadores de Paulo (Rm 16.3), assim como muitos outros como Tirano (At 19.9), Ninfa (Cl 4.15), Filemon (Fm), Caio (Rm 16.23), etc. Outros ajudaram especificamente Paulo em seu trabalho missionário, como por exemplo, Evódia, Síntique, Clemente e outros colaboradores que trabalharam no Evangelho com Paulo (Fl 4.2-3); Trifena, Trifosa e Pérside, as quais trabalharam muito no Senhor (Rm 16.12); Aristaco, companheiro de prisão, Marcos, Jesus o justo, Eprafas cooperadores no Reino de Deus (Rm 16.10-12); Epafrodito, irmão cooperador, que mesmo a beira da morte por amor a obra de Cristo foi enviado aos Filipenses para suprir a falta do vosso serviço (Fl 2.25-30) e tantos outros.[6]

Portanto, é possível identificar os vários ministérios e serviços que Deus realiza, assumidos pelos cristãos “leigos e leigas.” Estes, a partir da disposição dos carismas recebidos pelo Espírito Santo, como dom de línguas, da profecia (1Co 14), são considerados profetas e doutores (At 13.1) aptos a pregar a palavra (2Tm 4.2) e consolidadores das comunidades (Ef 4.11-12). Estes cristãos, ao envolverem-se nas atividades apostólicas, testemunham o serviço e ministério que são carismas dados pelo Espírito Santo de Deus, manifestados livremente.[7]

É importante destacar que a maior parte das conversões ao cristianismo nos dois primeiros séculos se deu, sobretudo, pela ação dos leigos e leigas e não somente graças aos bispos e sacerdotes.[8] Esta ação se dava pela mediação de cristãos de todas as condições sociais. Ricos ofereciam suas casas para os encontros das comunidades que eram formadas, eram as igrejas domésticas. Na classe popular, aconteciam os gestos de amor, sinceridade e conhecimento mútuo, sobretudo das inquietudes que cada um trazia nos corações, onde Cristo realiza o resgate total da escravidão do pecado, para conferir às pessoas a liberdade de filhos e filhas de Deus[9].

Entre estes cristãos leigos, é possível destacar algumas pessoas que marcaram a história através dos gestos de amor e fidelidade ao Cristianismo em tempos de prevalência da perseguição e clandestinidade. Como exemplo, Tertuliano, Orígenes, Justino, Inácio de Antioquia e os milhares de Mártires, entre eles Santa Luzia. Os mártires, cristãos cuja fé está baseada em uma entrega total e incondicional a Deus revelado em Jesus Cristo, um compromisso levado até as ultimas conseqüências, ou seja, até a morte.

A vocação: Deus pergunta, o ser humano responde.

A palavra “vocação é uma palavra de derivada do verbo latino vocare que significa chamar, tradução do termo vocatione, que quer dizer chamado, chamada, convite, apelo, cuja sua raiz é a palavra vox,vocis isto é voz.”[10] Esta colocação ajuda a esclarecer a confusão que pode ser feita sobre este termo ao relacioná-lo com o sentido de inclinação ou aptidão, pois aptidão e inclinação para fazer algo é na verdade, conseqüência do chamado.

A teologia considera a vocação como algo de Deus, um ato de fé, uma força misteriosa e uma realidade teológica, pois “ninguém seria levado a fazer algo, gostar de alguma coisa, se não fosse atraído pela força misteriosa do chamamento.”[11] Nesta realidade é Deus quem chama a todos e todas à existência para realização do seu plano divino de salvação. Portanto, vocação é algo divino, onde os seres humanos se entendem como vocacionados por Deus para responder seu chamado. “Vós não me escolhestes a mim, eu vos escolhi a vós e vos destinei para irdes dar fruto; e para que vosso fruto permaneça” (Jo 15.16).[12]

Mas para complementar o conceito de vocação, o ser humano precisa dar sua resposta ao chamamento de Deus para que a vocação seja completa. “Deus no seu ato de chamar não descarta a participação do ser humano” que é livre para negar ou para decidir e abraçar o serviço comunitário, como os discípulos que “deixaram tudo e seguiram Jesus” (Lc 5.11).[13] Neste sentido, os talentos, a aptidão para realizar algo, devem ser entendidos como dons que Deus atribui aos seres humanos capacitando-os para responder ao seu chamado. Ou seja, “o Senhor oferece os dons de acordo com o tipo de vocação para qual cada um foi chamado”.[14] É um “apelo de Deus oferecendo a sua graça e procurando suscitar uma resposta”, onde “quem é chamado não perde a liberdade”, mas confirma seu compromisso com a missão de serviço à Igreja e ao mundo. Por isso ela “deve ser vista na perspectiva do serviço e da doação, disponibilidade e entrega”. Muitas vezes é necessário abdicar de valores e contra valores, gostos pessoais, inclinações, para dar uma resposta coerente e eficaz ao chamado de Deus. Para ilustrar, temos o exemplo de pessoas que abraçam o casamento e outras a vida consagrada, celibatária ou casta. Não é uma aptidão que distingue uma da outra, uma escolha entre algo bom ou ruim, mas é a vocação para a qual Deus as chamou, expressando a sua vontade e seu Reino.

A vocação se traduz também na comunhão com a trindade, uma vez que ela surge deste Deus portador do mistério trinitário, do Deus relação, Deus comunhão, Deus Pai, Filho e Espírito Santo, fonte e origem de toda vocação, que no seu infinito amor se relaciona e se comunica com os seres humanos.[15]

Pastoral: O pastoreio do Povo de Deus em Jesus Cristo, o bom Pastor

Dentro do tema da Pastoral, é necessário dizer que o catolicismo utiliza o termo pastoral diferente dos protestantes. Para o catolicismo o termo “refere-se à ação coletiva do Povo de Deus como Igreja, cuja hierarquia principal é o Bispo,” considerando a situação social, a memória da fé, a comunidade eclesial e a ordem do ministério episcopal, fazendo da Igreja, participante na história de acordo com os valores evangélicos. No protestantismo, o termo se refere exclusivamente à função do Pastor. A diferença, portanto, consiste no fato do catolicismo indicar uma comunidade, um conjunto de ministérios, enquanto o protestantismo indica o indivíduo, um carisma particular que acaba reduzindo o conceito à pessoa do pastor, que pode passar a acumular responsabilidades e centralizar vários ministérios na sua pessoa.[16]

É possível entender a pastoral como o conjunto de práticas desenvolvidas por clérigos e leigos, visando possibilitar vida abundante e crescimento da comunhão cristã, sendo “presença-sinal de salvação e difusão dos valores cristãos e evangélicos”, presença da “Igreja dentro do conflito, ao lado dos oprimidos e empobrecidos em vista da sua libertação.”[17]

Por uma vocação pastoral dos leigos e leigas autêntica

Os leigos, vivendo o testemunho do evangelho nos seus afazeres do cotidiano santificam o mundo através da sua vocação derivada de Deus. Ou seja, os cristãos leigos e cristã leigas possuem a vocação de colocar Igreja em relação com a realidade do mundo, fazendo-a cumprir sua missão salvadora no mundo. Isso quer dizer que a vocação dos leigos abre a perspectiva da salvação integral e global, onde Deus salva o mundo, a partir do mundo e não somente a partir de uma Igreja.

A igualdade e a unidade entre clero e leigos, onde é reconhecida que a vocação pastoral dos leigos é tão importante quanto à vocação sacerdotal, possibilitam desfazer qualquer abuso de poder e autoridade de ambas as partes, visto que uma é complementar a outra.

A vocação pastoral dos leigos e leigas também abrange sua atuação dentro e fora da igreja, onde de um lado os cristãos leigos são santificadores do mundo, protagonistas da evangelização e da missão e principais testemunhas do Reino de Deus, ao mesmo tempo em que estão orientados para os serviços internos da comunidade eclesial, nos diversos ministérios e pastorais da Igreja Católica. Neste sentido, é destacada a participação dos leigos na vida pública, nos campos: político, econômico e social, como interlocutores entre a Igreja e a sociedade, opostos a injustiça, baseados na ética solidária e detentores das virtudes da vida social. Com relação à atuação dos leigos voltado para as funções internas da Igreja Católica Romana, é possível entender que as Comunidades Eclesiais de Base são indispensáveis para a participação dos leigos na vida comunitária e na missão evangelizadora, pois nelas os leigos e leigas tem condições de vivenciar experiências concretas de apoio mutuo e contribuir em novos ministérios e serviços, expressão da dimensão carismática da Igreja que se renova através do Espírito Santo.

[1]     LACOSTE, Jean-Yes (dir.). Dicionário Crítico de teologia. Tradução: Paulo Meneses. et al. São Paulo: Paulinas: Edições Loyola, 2004. p. 1967.

[2]     BOUGEOIS. “Leigo/ Laicato” In: LACOSTE, 2004. op. cit., p. 1012-1016.

[3]     BOUGEOIS. “Leigo/ Laicato” In: LACOSTE, 2004. op. cit., p. 1012-1016.

[4]     ALMEIDA, 2006. op. cit., p. 20.

[5]     ALMEIDA, 2006. op. cit., p. 27.

[6]     ALMEIDA, 2006. op. cit., p. 22 e 23.

[7]     Ibidem, p. 26.

[8]     Ibidem, p. 31.

[9]     Ibidem, p. 31 e 32 passim.

[10]    OLIVEIRA, 1999. p. 19.

[11]    OLIVEIRA, 1999. p. 20.

[12]    Ibidem, p. 21.

[13]    Ibidem, p. 22.

[14]    Idem.

[15]    OLIVEIRA, 1999. p. 26-32.

[16]    SANTA ANA, 1985. p. 15 e 16.

[17]    LIBÂNIO, 1982. p. 119 e 120.

Autor: Robson Cavalcanti

Sou um Cristão, Leigo, Teólogo, muito bem casado com uma esposa maravilhosa e empreendedora magnifica que é a Érika. Gosto de humor e da reflexão teológica, principalmente a produzida na América Latina, mais conhecida como Teologia da Libertação. Gosto de buscar conhecimento, gosto de ousar, gosto de arriscar mesmo que as vezes possa errar, pois afinal, somos seres em continua construção, Deus ainda não me terminou!

Deixe um comentário