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"A convergência de dois olhares específicos em prol do bem comum"

O Surgimento do termo “Leigo” na Igreja Cristã 1ª Parte

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Robson Cavalcanti

Teólogo e Leigo Católico

 

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O termo “leigo”, segundo o dicionário Crítico de Teologia,[1] considera, em primeiro lugar, a concepção de dois campos semânticos. Um se refere à concepção moderna, na qual leigo é aquele que é independente de confissões religiosas, referente ao estado, manifestando toda a ausência de referências religiosas no sistema político e educacional. O outro campo semântico está ligado à “estruturação da igreja como sociedade religiosa, referente às pessoas ligadas a atividades comuns dos que são batizados, ao contrário dos clérigos, que além de serem batizados, recebem o sacramento da ordem e orientações para atos de governo, ensino e presidência dos cultos”[2].

A palavra leigo do grego la»kçv significa “aquele que pertence ao povo ou provém dele: não oficial, civil, comum”.[3] Um termo que infelizmente deixa sua lacuna bíblica, por estar ausente no Antigo e no Novo Testamento. Porém, é válido enfatizar que embora este termo não apareça nas Sagradas Escrituras, é um adjetivo derivado da palavra laçv, que quer dizer povo. Logo, é possível constatar a abundância do termo laçv percorrendo por toda a Bíblia. Por exemplo, ao apresentar “citações chaves do livro do Êxodo (Êx 19.5), que é retomada no Novo Testamento, na primeira epístola de Pedro (1Pd 2.5,9) e Apocalipse (Ap. 1.6; 5.10;20.6). Também no livro de Levíticos (Lv 25.12) e Jeremias (Jr 31,33) retomadas na Segunda carta de Paulo aos Coríntios (2Cor 6.16); Hebreus (Hb 8.10) e Apocalipse (Ap. 21.3); ver (Grelot 1970)”.[4]

“O la»kçv, portanto, significa aquele que pertence ao povo de Deus, guardador e herdeiro da aliança, povo santo. Quer dizer Igreja em seu sentido primeiro e, por conseguinte, é uma palavra que tanto na linguagem judaica como depois na linguagem cristã, designa propriamente para povo consagrado por oposição aos povos profanos.”[5]

Na mesma linha, Almeida entende que no Novo testamento é apresentada uma comunidade definida por sua relação com Deus ou com Cristo: “ekkles°a tou QeoÀ (Igreja de Deus), ekkles°a tou Cristou (Igreja de Cristo), laçv QeoÀ (povo de Deus), swma Cristou (corpo de Cristo)”. Este dado supõe um povo klÐtoi (eleito), de adelfoi (irmãos), constituindo uma adelfotjv (fraternidade), pessoas que professam a mesma fé.[6] “Aqueles que não eram povo agora são povo de Deus”(1Pd. 2.10), com as qualidades do povo do Antigo Testamento, de “povo sagrado, reino sacerdotal”(Ex 19.6), povo que Deus escolheu e formou para que proclamassem louvores para si.”(Is 43.20-21).[7] Se há diferenças entre sacerdotes e leigos, entre os clérigos e o laicato, estas não se encontram na Igreja do Novo Testamento. A distinção neste período se dá entre um povo consagrado a Deus e um povo ainda no mundo. Um povo alienado pelo pecado e um povo santo que não é do mundo, mas está no mundo, ou seja, um povo eleito, colocado à parte, chamado e consagrado para uma verdadeira atuação profética de testemunhar Cristo Jesus. Este povo é dotado de dons espirituais, carismas dados gratuitamente pelo Espírito Santo Deus em benefício do bem comum. (1Co 12.7). A partir destes carismas, brotam os ministérios (diakon°ai) que são a forma prática de viver estes carismas na perspectiva do serviço, distribuídos conforme Deus quer através do Espírito Santo (1Co 12.11). Portanto, é possível compreender que na Igreja primitiva, o povo de Deus é um grupo escolhido, posto a parte do mundo para professar uma mesma fé em Cristo Jesus e que os ministérios são distribuídos em vista do bem comum e não como uma distinção hierárquica.

Com relação à palavra la»kçv (leigo), de fato, é necessário reconhecer que a mesma não aparece no Novo Testamento. Considera-se, portanto, a colocação de Almeida sobe a alternativa perigosa de recorrer a anacronismos, ainda que esta pudesse expressar a realidade que a palavra leigo sugere. Neste sentido, seguiremos a sua proposta e critério por ele proposto:

Um critério seria distinguir ‘apóstolos’ e ‘chefes de comunidade’ de um lado, e os demais cristãos, do outro, que seriam considerados, então, leigos e leigas, pois respeitaria assim, o significado primitivo do termo que indica ao mesmo tempo, pertença ao povo e distinção em relação aos chefes do povo, resultando em uma atitude de respeito ao texto, fugindo da atitude de violência para com o mesmo, uma vez que o Novo Testamento não recorre a este termo.[8]

A necessidade de explicar esta questão está no fato de revelar uma atitude de responsabilidade e respeito pelo texto bíblico e pelos leitores, pois muitos vivem confundidos com muitas afirmações quanto à presença ou não do termo na Bíblia, mas sem um mínimo de explicação. Ao adotar este critério, diversos personagens bíblicos são identificados como leigos leigas que atuaram contribuindo com o apostolado. Como exemplo, temos a Mãe de João Marcos que cedeu sua habitação para acolher Pedro depois que o Senhor o tirou da prisão (At 12.12-17), Lídia, (At 16.12-15), Áquila e Prisca que desempenharam o ministério de didáscalos (mestres, doutrores), considerados os responsáveis por essa tradição leiga na Igreja Posterior,[9] além de serem amigáveis hospitaleiros (At 18.2-3) e generosos cooperadores de Paulo (Rm 16.3), assim como muitos outros como Tirano (At 19.9), Ninfa (Cl 4.15), Filemon (Fm), Caio (Rm 16.23), etc. Outros ajudaram especificamente Paulo em seu trabalho missionário, como por exemplo, Evódia, Síntique, Clemente e outros colaboradores que trabalharam no Evangelho com Paulo (Fl 4.2-3); Trifena, Trifosa e Pérside, as quais trabalharam muito no Senhor (Rm 16.12); Aristaco, companheiro de prisão, Marcos, Jesus o justo, Eprafas cooperadores no Reino de Deus (Rm 16.10-12); Epafrodito, irmão cooperador, que mesmo a beira da morte por amor a obra de Cristo foi enviado aos Filipenses para suprir a falta do vosso serviço (Fl 2.25-30) e tantos outros.[10]

Portanto, é possível identificar os vários ministérios e serviços que Deus realiza, assumidos pelos cristãos “leigos e leigas.” Estes, a partir da disposição dos carismas recebidos pelo Espírito Santo, como dom de línguas, da profecia (1Co 14), são considerados profetas e doutores (At 13.1) aptos a pregar a palavra (2Tm 4.2) e consolidadores das comunidades (Ef 4.11-12). Estes cristãos, ao envolverem-se nas atividades apostólicas, testemunham o serviço e ministério que são carismas dados pelo Espírito Santo de Deus, manifestados livremente.[11]

Esta abordagem também permite olhar para personagens do Antigo Testamento como leigos e leigas, como por exemplo, os profetas, uma vez que não pertenciam ao grupo dos sacerdotes ou autoridades institucionais, mas eram entendidos como parte do povo de Deus.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Antonio José de. Leigos em Quê? Uma abordagem histórica. São Paulo: Paulinas, 2006. 374 p.

LACOSTE, Jean-Yes (dir.). Dicionário Crítico de teologia. Tradução Paulo Meneses, et al. São Paulo: Paulinas: Edições Loyola, 2004. 1967 p.

CAVALCANTI. Robson. Vocação Pastoral do Laicato: Uma reflexão teológica sobre os leigos a partir da comunidade Cristo Ressuscitado, São Paulo-SP. São Bernardo do Campo, 2012. 90 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Teologia) — Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2012.

Notas:

[1]     LACOSTE, Jean-Yes (dir.). Dicionário Crítico de teologia. Tradução: Paulo Meneses. et al. São Paulo: Paulinas: Edições Loyola, 2004. p. 1967.

[2]     BOUGEOIS. “Leigo/ Laicato” In: LACOSTE, 2004. op. cit., p. 1012-1016.

[3]     Idem.

[4]     Idem.

[5]     Idem.

[6]     Idem.

[7]     ALMEIDA, 2006. op. cit., p. 20.

[8]     Ibidem, p. 21 e 22.

[9]     Ibidem, p. 27.

[10]    Ibidem, p. 22 e 23.

[11]    Ibidem, p. 26.

 

 

Compartilho este texto no intuito de contribuir com as reflexões e discussões sobre os leigos e leigas na Igreja.

 

Autor: Robson Cavalcanti

Sou um Cristão, Leigo, Teólogo, muito bem casado com uma esposa maravilhosa e empreendedora magnifica que é a Érika. Gosto de humor e da reflexão teológica, principalmente a produzida na América Latina, mais conhecida como Teologia da Libertação. Gosto de buscar conhecimento, gosto de ousar, gosto de arriscar mesmo que as vezes possa errar, pois afinal, somos seres em continua construção, Deus ainda não me terminou!

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